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Todos nós estamos acostumados a pensar que a gordura corporal só é um problema a partir de certa quantidade, quando faz o ponteiro da balança subir além da conta e o cálculo do IMC (índice de massa corporal) ficar elevado. Aliás, é fácil deduzir que alguém tem sobrepeso ou obesidade só de bater os olhos.
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Mas atenção porque, quando a gordura do corpo coloca a vida em perigo, as aparências muitas vezes enganam.
Guarde desde já um nome difícil: adiposopatia, que nada mais é do que uma gordura adoecida. Portanto, quando a gente fala em adiposopatia, a qualidade do tecido adiposo é bem mais importante do que a quantidade. É aí que entra outra palavrinha, ou palavrão, que é lipodistrofia.
"A lipodistrofia é o crescimento anormal de uma gordura capaz de causar doenças sérias", define Cynthia Valério, endocrinologista do IEDE (Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione), no Rio de Janeiro, e diretora da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica).
Por ironia, essa gordura só cresce por causa da perda de outra gordura que seria protetora, a subcutânea, especialmente nos membros inferiores. Essa diminuição costuma ser progressiva, piorando cada vez mais, e começa a acontece na adolescência em boa parte dos casos.
Não precisa ter obesidade
"Na prática, as pessoas podem nem ter um IMC mais alto. Se estão vestidas, então, você provavelmente não as veria como um caso de síndrome metabólica", diz a doutora Cynthia.
Sim, elas poderão ter pernas muito finas — às vezes braços e face finos também — e barriga protuberante (ou nem tão grande). Pernas exibindo praticamente só pele e músculo, mas um rosto redondo com queixo duplo (ou não). Dois palitinhos de pernas e aquele tórax de pombo, chegando a formar dobrinhas nas costas (ou não).
Há um sortido e variado de tipos (e aparências) de lipodistrofias parciais familiares, apresentando agora o nome completo do que assunto da vez. Essa diversidade confunde mais ainda os médicos na hora de fazer o diagnóstico. "São 11 subtipos", revela o professor Renan Montenegro, professor da UFC (Universidade Federal do Ceará).
Em 2017, ele criou a Brazlipo, uma rede de cooperação em que os estudiosos dessa condição trocam ideias e, mais do que isso, fazem os registros dos casos. No Brasil, ainda não temos uma ideia clara da prevalência dessas lipodistrofias.
Para dizer quem tem e quem não tem
Diante da confusão, dá para entender a importância do Consenso Brasileiro de Especialistas em Lipodistrofias Parciais, publicado há exatos dez dias (2 de junho) na revista científica Diabetology & Metabolic Syndrome. O artigo é resultado de dois anos de trabalho conjunto de 15 experts do país, estudiosos dedicados a essa condição. A doutora Cynthia Valério e o professor Renan Montenegro estão entre eles.
O consenso estabelece critérios para flagrar depressa quem tem a tal lipodistrofia parcial. Afinal, são pessoas que provavelmente terão um diabetes de dificílimo controle, triglicérides altos que não baixam nem com medicação, muitas placas nas artérias antes dos 40 anos, doença gordurosa no fígado já com fibroses, isto é, com cicatrizes atrapalhando o funcionamento desse órgão.
Segundo o professor Montenegro, a lipodistrofia parcial pode ser considerada uma forma gravíssima de síndrome metabólica, aquele combo de adiposidade abdominal, pré-diabetes ou diabetes, hipertensão, alterações de colesterol e de triglicérides. "Só que as consequências aparecem muito mais precocemente. Já vi paciente de 30 anos com coronária obstruída", ele conta.
A doutora Cynthia Valério exemplifica: "Eu não vou pedir a uma jovem de seus 25, 30 anos que faça exames para rastrear uma doença cardiovascular assim do nada. Porém, se ela tem a aparência de quem perdeu gordura protetora e está com taxas de triglicérides alteradas, eu preciso fazer esse rastreamento, sim"
Talvez se pergunte: "esse papo é comigo?"
Calma, nem todas as pessoas com pernas finas têm a tal lipodistrofia. Do mesmo modo como nem todos os indivíduos com resistência à insulina ou diabetes irão perder gordura protetora. Para saber quem é quem, conhecer os critérios estabelecidos pelo consenso é fundamental.
Isso cria a possibilidade de um diagnóstico precoce para acompanhar o quanto antes as encrencas que o acúmulo da gordura doente é capaz de desencadear. Por causa do controle tardio delas, quem tem lipodistrofia parcial vive de dez a quinze anos menos que a população geral.
O que acontece quando é feito o diagnóstico
A ideia é acompanhar de perto todas as suas complicações desde o início — por exemplo, tratar o diabetes, mudar o estilo de vida, medicar para melhorar o perfil lipídico do sangue... "Sem acompanhamento médico, viver com lipodistrofia é muitas vezes mais arriscado do que ter obesidade grave ou até mesmo mórbida", afirma o professor Montenegro, mencionando um estudo feito nos Estados Unidos.
Há remédio específico para lipodistrofias? "Hoje há dois", informa a doutora Cynthia. "Mas geralmente só são obtidos por meio de judicialização, quando todo o resto não funciona. Este é mais um motivo para termos critérios bem definidos para o diagnóstico.".
Existem lipodistrofias e lipodistrofias
Em um primeiro momento, as lipodistrofias se dividem em dois grandes grupos. Existem aquelas que são adquiridas. O exemplo mais conhecido é o de portadores do vírus HIV: a infecção e o próprio tratamento colaboram para a perda de gordura subcutânea.
O outro grupo é o das lipodistrofias familiares. Aí, a origem é genética. Elas, por sua vez se dividem entre generalizadas — quando a pessoa perde gordura protetora por todo o corpo — e parciais, em que essa perda é acentuada em uma região do corpo.
Quando a doutora Cynthia Valério saiu do seu estado, o Paraná, para desembarcar em pleno Carnaval carioca no IEDE, onde fez sua residência, ela logo se interessou pelo estudo do metabolismo, ligando os pontos entre doenças como obesidade e diabetes. E, no ambulatório, encontrou uma paciente com grande perda de gordura na face — este, diga-se, é um tipo raro de lipodistrofia parcial. "Pesquisaram de tudo para entender o que ela tinha, incluindo doenças raras", relembra. Isso foi no ano de 2005.
A médica notou que seria um tipo de síndrome metabólica diferente. Logo vieram outros casos, em que a perda de gordura era mais nas pernas, um total de cinco, gerando sua monografia "Todos os pacientes tinham um IMC de 23 ou 24", ela conta. Ou seja, eram magros. "No entanto, eram metaforicamente muito doentes, com bastante gordura no fígado, diabetes, triglicérides altos."
Para resumir uma trajetória de duas décadas cuidando de casos assim, no seu mestrado a médica propôs um ponto de corte: a partir de quando a perda de gordura seria preocupante? Trata-se de um artigo citado como referência até hoje.
Quando falta gordura protetora
É simples entender por que a perda dessa tecido adiposo nas pernas provoca doenças. A gordura subcutânea, bastante presente ali, é um reservatório de energia. Suas são feito balões, que inflam ou se esvaziam conforme você engorda ou emagrece."Se eu acabo ingerindo mais calorias do que gasto e não existe esse reservatório, a gordura vai se acumular em lugar errado", descreve o professor Montenegro.
Ou seja, ela não tem para onde correr. Ou melhor, tem. Um dos destinos da gordura sem-teto é o fígado. Mas pâncreas, coração, rins e músculos também terminam infiltrados por moléculas gordurosas. E esse é o estopim de todas aquelas doenças da síndrome metabólica.
Problema de família
Nas lipodistrofias familiares, a causa é genética. "Nas generalizadas, tratam-se de genes recessivos. Então, você não encontra várias pessoas da mesma família acometidas", ensina a doutora Cynthia.
Já nas parciais, os genes são dominantes. "Você sempre verá pelo menos uma pessoa de cada geração da família com a mesma condição", explica ela. Por isso mesmo, quando é feito o diagnóstico, os médicos am a examinar os parentes próximos.'.
"Como geralmente existem familiares com o mesmo perfil, a pessoa se olha no espelho, acha que aquela aparência é característica de família e tudo bem", observa a endocrinologista.
Pergunto se haveria um gatilho para a genética se manifestar. "Por enquanto, o que sabemos é que a doença tende a aparecer em fases de mudanças hormonais", responde a doutora. "Na maioria das vezes, na adolescência. Mas muitas mulheres começam a perder gordura protetora na gestação ou, ainda, na menopausa."
Ah, sim, aparentemente há mais mulheres com lipodistrofias parciais do que homens.
O que diz o consenso
Um critério de diagnóstico é obrigatório e nem tem conversa: a perda de gordura subcutânea nos membros inferiores. Em geral, considera-se problemático quando essa camada de tecido adiposo é menor do que 10 milímetros para homens e 22 milímetros para mulheres. O desafio dos poucos consensos existentes pelo mundo são as diferenças étnicas. O nosso destaca que, particularmente entre as brasileiras, talvez seja melhor considerar uma camada com menos de 20 milímetros.
Para confirmar que é um caso de lipodistrofia parcial, a falta de gordura nas pernas deve se combinar com pelo menos dois outros critérios maiores — digamos, mais decisivos no contexto — ou com um desses critérios maiores.
Os critérios maiores (é preciso dois deles!)
Os critérios menores (é preciso dois deles junto um com dos critérios maiores acima)
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